sábado, 1 de maio de 2010

Os conselhos de Clarisse

Postado por Tatiana em 1.5.10
"Você me escreve dizendo que não gosta mais dele. É verdade? Não se precipite em julgamento. Há períodos, mesmo na vida conjugal mais harmoniosa, em que não é o amor o que predomina. Seja paciente. O fato de você não se sentir apaixonada não quer dizer que tenha deixado de gostar dele. (...)"

(LISPECTOR, Clarisse. Só para mulheres: conselhos, receitas e segredos. Org.: Aparecida Maria Nunes; Rio de Janeiro: Rocco, 2008; p. 61.)


Ao publicar o texto acima, no Diário da Noite de 18 de julho de 1960, Clarisse Lispector, sob o pseudônimo de Ilka Soares, tentava aplacar a aflição pela qual certamente passava a leitora que a escrevera solicitando-lhe uns conselhos acerca de sua vida conjugal. O argumento de Lispector no decorrer de sua resposta é o de que a vida a dois está sujeita a passar por altos e baixos em função da rotina que, por vezes, se estabelece entre o casal. De acordo com ela, o cotidiano monótono induz os cônjuges a questionarem sobre seus sentimentos com relação ao outro, o que acaba por ser responsável por muitos conflitos nos relacionamentos. Prosseguindo com os conselhos, Clarisse comenta que talvez a leitora esteja passando por um período de “excesso de tranqüilidade” em seu casamento e que é normal isso resultar em “pensamentos mais desanimadores”, como os que ela está tendo naquele momento.
A angústia da leitora de Clarisse certamente é a mesma que acomete muitos daqueles que iniciam uma vida conjugal, pois, é certo que a convivência diária vai se revelando menos atraente com o passar do tempo. O que era novidade se transforma em algo comum, trivial. E as coisas que antes passavam despercebidas, tornam-se extremamente evidentes e incômodas. As manias, os defeitos, os excessos, os gostos duvidosos que inicialmente se compreendia e se tolerava, agora irritam tanto, que você se pergunta onde estava com a cabeça quando concordou em viver com alguém tão diferente da sua personalidade. O “até que a morte os separe”, nessas horas, perece ser uma eternidade angustiante. Então você começa a se questionar sobre seu sentimento por esse indivíduo que deixa a tampa do vaso sanitário levantada, que não gosta de ir ao cinema porque não suporta ouvir as risadas e as conversas paralelas, que assiste aos jogos de futebol rigorosamente às quartas e aos domingos e, não satisfeito, ainda assiste aos comentários que são exibidos em vários canais no domingo à noite, enfim, são inúmeras as situações que o dia a dia vai fazendo você perceber e refletir sobre se vale a pena continuarem juntos ou se o amor que existia no início do namoro ainda sobrevive.
Afinal, você o ama? Quer realmente viver com essa pessoa? Ele é o homem da sua vida? Está mesmo disposta a passar por cima de tudo aquilo que a incomoda nele? Ou seria melhor, então, jogar tudo para o alto e ir atrás de alguém que não a irrite tanto? Enfim, são questões que fazem você viver um conflito interno muito grande. Mas aí você começa a lembrar dos momentos felizes que passou com ele, de o quanto ele é companheiro, de como ele a conforta nas ocasiões mais difíceis e de como ele se preocupa se você não está estudando como deveria para a monografia ou para passar naquele concurso público que tanto almeja. Tudo isso a faz pensar acerca dos conselhos que Clarisse dera a sua leitora naquele ano de 1960 e que ainda cabe perfeitamente nos dias de hoje. Às vezes desejamos algo muito fantasioso, distante da nossa realidade, como na novela onde o casal acorda com os rostos incrivelmente maravilhosos, a mocinha com o cabelo alinhado, o mocinho com a bandeja de café na mão e um sorriso lindo. É tudo tão perfeito... Mas devemos nos ater à vida real. Não que uma vez ou outra ele não possa surpreender com uma ação desse tipo, mas temos que lembrar que a vida a dois não nos reserva a felicidade ou o amor em tempo integral. Existem também os momentos de dificuldades, de conflitos. E nessas horas precisamos exercitar a tolerância, afinal, o que é a convivência senão um exercício diário de tolerância e respeito ao próximo? Concluo, portanto, com os sábios conselhos de Clarisse, que recomenda a sua leitora: “não estrague sua vida com sonhos impossíveis e falsos”.

5 comentários:

Madame Poison on 2 de maio de 2010 às 18:36 disse...

Realmente se a Clarisse diz, eu acredito..rsrs! E aliás, reconheço de algum lugar este palavreado...

Bom, mas o fato é que a vida não é feita apenas de flores, mas também de espinhos. Mas nem por isso uma rosa deixa de ser bela, não é mesmo?
Por isso só ratificando o conselho de Lispector: “não estrague sua vida com sonhos impossíveis e falsos”. Faça de tudo para torná-los possíveis e verdadeiros.

Tatiana on 2 de maio de 2010 às 21:46 disse...

Pois é... Nem só de flores, nem só de doces, nem só de risos, nem só de amor... Temos que tentar transformar nossos sonhos em algo mais próximo possível do real.

Márcia de Albuquerque Alves on 3 de maio de 2010 às 09:17 disse...

Ahhhhhhhhhhhhhhhhh os sonhos são tão doces, adoraria viver neles a enfrentar a dura sorte... mas, como não podemos, realmente, temos que aproximar o máximo nossos sonhos da realidade, prá não sofrer tanto! bjs e óooooootimo post!

Tatiana on 4 de maio de 2010 às 13:52 disse...

Márcia, querida, por ser muito sonhadora quase sempre sofro com a dura realidade que a vida teima em apresentar-me.

João Bosco Maia on 22 de outubro de 2010 às 21:22 disse...

Estive já por aqui e cá estou outra vez. Belo espaço para as letras, para a poesia, para o pensamento... para tornarmos mais claros nossos caminhos! Ao mesmo tempo em que te mobilizo para removermos este triste índice de 2 livros/ano por leitor brasileiro (na Argentina são dezoito livros/ano),
te convido a conhecer meus romances. Em meu blog, três deles estão disponíveis inclusive para serem baixados “de grátis”, em formato PDF.
Um grande abraço e boa leitura!

 

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